Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, a Vara da Infância e da Adolescência de Campo Grande lançou no dia 8 de março o projeto-piloto “Homem de Verdade”, que irá atuar com adolescentes do sexo masculino que cometeram violência doméstica contra a mulher. O projeto é uma experiência inovadora no Poder Judiciário nacional e busca garantir práticas de intervenção por meio da psicologia em busca da conscientização do adolescente do ato infracional praticado.
Inicialmente, será formado um grupo entre oito e dez adolescentes que se envolveram em situações de violência doméstica. A iniciativa conta com o apoio dos promotores de justiça e defensores públicos que atuam na vara, de modo que novas ocorrências policiais que cheguem com esta temática serão encaminhados para participarem do projeto.
Segundo o juiz titular da vara, Jorge Tadashi Kuramoto, embora os casos de violência doméstica praticados por adolescentes não sejam tantos comparados aos outros atos infracionais praticados na Capital, existem denúncias de vias de fato, ameaça e lesão corporal praticada contra irmãs, tias, avós e mães, além de alguns casos envolvendo namoradas ou companheiras.
Conforme o magistrado, “uma preocupação em relação ao ato infracional praticado dentro do ambiente doméstico e com violência são as solicitações de medidas protetivas contra esse adolescente. Como afastar esse menor de idade do próprio lar, para onde levá-lo? Muitas vezes não há uma outra casa ou parente que possa recebê-lo”.
Essa é uma dúvida que já existia na rotina de trabalho do juiz no interior do Estado. “Chegando recentemente na Capital foi me apresentado este projeto pela psicóloga que atua na vara, a partir de um estudo que ela fez em relação aos menores infratores nos casos de atos infracionais dos últimos anos. Então surgiu a ideia de fazer um trabalho de orientação, ressocialização e do preparo desse adolescente para que ele tenha consciência de suas ações com relação às mulheres de sua família. Com isso, nós visamos evitar que este adolescente seja retirado do lar por alguma medida protetiva e também para que ele tenham consciência do ato praticado, evitando assim, já em sua fase adulta, alguma ocorrência pela Lei Maria da Penha”.
De acordo com a psicóloga do Judiciário Denise de Fátima do Amaral Teixeira, idealizadora do projeto, “para melhor compreender a realidade que envolve esses adolescentes recorremos à amostra processual por meio de pesquisa. Desse modo, concluiu-se que a violência contra a mulher se inicia ainda em tenra idade e acomete na maior parte das vezes o gênero feminino, como é o caso de inúmeros processos atendidos de estupro de vulnerável”.
Segundo a psicóloga, “ainda que o ato infracional seja assemelhado a um delito de menor potencial ofensivo, pontua-se como relevante o fato da possível redução dos índices desses casos de violência doméstica contra a mulher na fase adulta, o que pode culminar com a redução de processos na esfera criminal e evitar que esse adolescente se torne um futuro feminicida com o cessar do ciclo da violência. Ademais, são incipientes ou inexistentes grupos que contemplem prevenção nessa faixa etária, ainda em desenvolvimento, o que justifica a ação”.
Por oportuno, Denise Teixeira frisa que a ação contempla a Agenda 2030 e as suas dimensões, focalizando a ODS 5, que se refere à igualdade de gênero, vinculada diretamente às atuações do Poder Judiciário “e que nos permite desenvolver uma prática inovadora que assegure uma prestação jurisdicional de excelência” por um lado, e, noutra ponta, oportuniza ao adolescente “passar pela experiência grupal e pensar sobre si, oferecendo condições do nascimento de um novo modo de pensar e agir que os levará à aquisição de novos valores e à construção de um novo sujeito”.
“O quanto conseguiremos de sucesso com essa iniciativa só o tempo dirá, nosso principal objetivo é evitar que esse adolescente não volte a praticar tais atos de violência. E eu digo para minha equipe: se de cada 10 adolescentes, um se conscientizar, já é um sucesso”, pondera o juiz com relação à expectativa de resultados do projeto-piloto.
Saiba mais – Uma vez comunicada pela delegacia de polícia a ocorrência de atos infracionais de violência doméstica, o adolescente será encaminhado para participar do projeto “Homem de Verdade” antes mesmo do Ministério Público representá-lo à justiça.
O adolescente frequentará sessões, terapia e demais atividades propostas pela psicóloga. Ao término do atendimento, a profissional apresentará ao magistrado um relatório, indicando se o participante do projeto foi considerado apto à remissão ou não. Dependendo do resultado, o ato infracional praticado é arquivado e ele recebe as orientações necessárias para que não reincida.
A prática poderá ser implantada em outras comarcas do Estado e em outros Tribunais de Justiça.
Fonte: TJ-MS