“Reacende tudo de novo”: em júri, mãe de mulher torturada e morta pede justiça
Franciele Guimarães Alcântara, 36 anos, foi torturada por um mês e assassinada pelo marido em Campo Grande
Esperando para acompanhar o julgamento de Adailton Freixeira da Silva, de 46 anos, réu por feminicídio e tortura, a dona de casa Ilda Guimarães Pereira, de 53 anos, tentava manter a calma. “É uma dor que não se esquece, reacende tudo de novo e eu espero por justiça”. Ilda é mãe de Franciele Guimarães Alcântara, 36 anos, torturada por um mês até a data em que foi encontrada morta, em 22 de janeiro deste ano, em Campo Grande.
Na época do crime, a mãe afirma que não tinha conhecimento das agressões que a filha sofria, pois era poupada. “Ela nunca reclamou por causa da minha saúde”, conta à reportagem do Campo Grande News. A mulher tenta se reerguer, mas a dor só aumenta. “Parece que hoje é o dia que aconteceu a tragédia, é uma tortura para a mãe. Tomei calmante ontem à noite e vou tentar ficar calma”, disse.
Francielli era casada com Adailton. Ele confessou morte, mas nega tortura.
A 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande pronunciou Adailton por homicídio qualificado por motivo torpe, asfixia, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio (crime de ódio contra as mulheres). Além de cárcere privado e tortura. A Justiça manteve a prisão do autor, atrás das grades desde 31 de janeiro.
O crime – Franciele Guimarães viveu dias de terror até 26 de janeiro de 2022, data em que foi encontrada morta em sua residência, no Bairro Portal Caiobá, na Capital. Para a polícia, o marido, Adailton, confessou que torturava a mulher como uma forma de punição, pois ela se relacionou com outro homem quando estavam separados. Para ele, uma traição.
As feridas encontradas pela perícia no corpo da mulher mostram a crueldade praticada. Para justificar a falta de pele nas nádegas de Franciele, Adailton disse, durante seu interrogatório na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), que ela sofreu duas quedas e a região ficou inchada, com hematoma.
“Então ele passou lâmina de barbear para a secreção sair e aquele ferimento foi necrosando. Em meados de janeiro, em outra sessão de tortura, pegou pedaço de madeira de um banco, deu várias pauladas na mulher e a lesão piorou. Então ele retirou essa pele com água oxigenada”, descreveu a delegada Maíra Pachedo Machado na época em que conduziu a investigação.
A delegada Maíra explicou que o casal chegou a se separar, período em que Franciele teve um novo relacionamento. “Para ele foi uma traição, o que não é a verdade dos fatos, porque estavam separados. Ela manteve sim um novo relacionamento e o Adailton teve ciência desse fato”.
Franciele e Adailton reataram o casamento. “Então, no final do ano de 2021, em dezembro, ele começou os atos de tortura. Iniciou por um corte de cabelo, pois o dela era comprido. Ele cortou pela metade e depois cortou mais”, revela a delegada. “Em outra ocasião, ameaçou cortar o órgão genital dela com uma faca, caso tivesse outro relacionamento ou terminasse”, revela.
A partir daí, toda vez que Adailton pensava que Franciele pudesse traí-lo ou terminaria o relacionamento, iniciava discussão e a sessão de tortura. “Em janeiro, deu socos e pontapés no abdômen, depois houve a queda e a retirada da pele com água oxigenada. Além disso, ele não permitia que ela mantivesse contato com outras pessoas fora da casa”.
No dia da morte, Adailton afirma que chegou em casa e encontrou a esposa tentando suicídio com uma corda. “Ele alega que então a tirou do banco e apertou a corda dizendo que se ela quisesse se matar, ele ajudava”, revelou a delegada. Adailton nega que tenha matado a mulher e disse que fugiu do local com medo de que familiares da vítima o incriminassem.
No entanto, a investigação policial da Deam, que contou com apoio de policiais da 6ª Delegacia de Polícia Civil da Capital e a Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), constatou que houve feminicídio.
O filho do casal, adolescente de 17 anos, que presenciava as agressões, afirmou que não procurou a polícia para denunciar porque tinha medo do pai. Em depoimento, falou que não ouvia gritos e nem choro da mãe. “Ele [Adailton] a levava para o quarto e falava que estava dando uma punição. Ela não gritava, nem chorava, só demonstrava tristeza depois”, afirmou Maíra.
Para a delegada, Adailton não demonstrou arrependimento. Maíra definiu o caso como um crime baseado em ciúme, sendo a alegação de traição irrelevante. “A traição é extremamente irrelevante para esse caso, se ocorreu ou não, não vai ser ela o motivo ou fundamento desse feminicídio. A motivação é um crime de ódio, baseado no ciúme, na ira, posse, no machismo, na misoginia, no sexismo, nunca numa relação extraconjugal”, destacou.
FONTE: CAMPO GRANDE NEWS