Cresce o número de amputações de membros inferiores no Brasil; mais da metade envolve diabéticos
Média dos casos saltou durante a pandemia e pode ter sido motivada por descontinuidade no acompanhamento de pacientes com doenças crônicas
O número de amputações de membros inferiores aumentou significativamente no Brasil durante a pandemia de Covid-19. Em média, 66 pacientes passam por esse tipo de cirurgia diariamente. Entretanto, em 2020, quando a crise sanitária se instalou no país, a média saltou para 75,64.
No ano seguinte, chegou a 79,19, a maior soma de procedimentos, totalizando 28.906 casos. Os dados são de levantamento da SBACV (Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular). Para especialistas, o problema estaria relacionado à descontinuidade no acompanhamento de pacientes com doenças crônicas durante o período.
Mais da metade dos casos de amputação envolve pessoas com diabetes, embora o problema também possa estar relacionado a muitos outros fatores de risco, como tabagismo, hipertensão arterial, idade avançada, insuficiência renal crônica, estados de hipercoagulabilidade e histórico familiar.
Entre 2012 e 2021, período do levantamento, 245 mil brasileiros sofreram com a amputação de pernas, pés ou dedos. O trabalho, feito com base em dados do Ministério da Saúde, mostra que, nesse período, de maneira geral, o aumento do número de procedimentos foi de 53% – o que se agravou nos últimos dois anos.
A probabilidade de que o número de 2021, considerado o maior, seja superado em 2022 é alta, já que a média diária de procedimentos nos três primeiros meses deste ano é de 82.
A grande maioria dos procedimentos médicos teve queda acentuada durante a pandemia. No caso das amputações, no entanto, foi registrado um aumento. Para especialistas, isso ocorreu por conta da dificuldade de acompanhamento das complicações na saúde dos pacientes que, durante a emergência sanitária, abandonaram tratamentos e evitaram a ida a hospitais e consultórios com medo da contaminação pelo vírus.
Com isso, muitos acabaram indo ao hospital apenas nas situações mais graves, em que já não era possível evitar a amputação. Para o cirurgião vascular Mateus Borges, diretor da SBACV, “esses dados demonstram o impacto da pandemia no cuidado e na qualidade de vida dos pacientes”.
Segundo ele, pessoas com diabetes que desenvolvem úlceras e evoluem para quadros infecciosos demandam longos períodos de internação ou reinternação, com consequentes períodos de perda ou afastamento do trabalho, aposentadoria precoce e, por vezes, queda na autoestima, depressão ou criação de um quadro de dependência de familiares ou amigos.
Outro dado preocupante é o indivíduo que tem diabetes e não sabe. Foi o caso do mineiro Luís Cardoso, de 55 anos, que trabalha em rodeios no interior de São Paulo. Quando recebeu o diagnóstico da doença, já era tarde demais para salvar o dedão do pé esquerdo. “Eu estava no interior de São Paulo e tive que ir para Belo Horizonte para ver o médico, e já tive que tirar o dedão”, contou. “Em 2020 tive um problema de infecção e tive que tirar os outros quatro dedos.”
Durante a pandemia, Luís Cardoso também enfrentou dificuldades. “As rodovias estavam fechadas e tinha dificuldade para ir a Belo Horizonte ver o meu médico”, disse. “Em outubro do ano passado, usei um sapato que machucou o meu pé e tive que tirar o dedo do meio do pé direito. Mas estou bem, está tudo sob controle.”
Em números absolutos, os estados que mais executaram procedimentos de amputação de membros inferiores no sistema público foram São Paulo (51.101), Minas Gerais (26.328), Rio de Janeiro (21.265), Bahia (21.069), Pernambuco (16.314) e Rio Grande do Sul (14.469). Por outro lado, os estados com o menor número de registros são Amapá (315), Roraima (352), Acre (598), Tocantins (1.154) e Rondônia (1.383).
Impactos
Além de representar um grave problema de saúde pública, o crescimento constante no número de amputações no país traz fortes impactos para os cofres públicos, consumindo parte das verbas em saúde destinadas aos estados. Apenas em 2021, foram despendidos R$ 62.271.535.96 em procedimentos realizados em todo o Brasil.
Entre janeiro de 2012 e março de 2022, considerando-se a inflação de cada ano, foram gastos R$ 660.021.572,69, o que representa uma média nacional de R$ 2.685,08 por procedimento.
“Esse volume de gastos poderia ser evitado se os sistemas de saúde investissem mais em medidas preventivas, sobretudo no acompanhamento de pacientes diabéticos (…) para que medidas drásticas, como a amputação de membros, não sejam tomadas”, explica o presidente da SBACV, Julio Peclat.
No caso do diabetes, cujos pacientes são as maiores vítimas das amputações, descuidos podem levar a grandes problemas. Um pequeno ferimento pode resultar em infecção que evolui para um caso grave de gangrena, elevando o risco de amputação.
O diabetes impacta a circulação sanguínea porque gera o estreitamento das artérias, causando redução dos índices de oxigenação e nutrição dos tecidos. Alterações de sensibilidade aumentam o risco de surgimento de pequenos ferimentos e potencializam sua evolução para casos mais graves.
Estudos mostram que 85% das amputações relacionadas ao diabetes têm início com uma lesão nos pés que poderia ter sido prevenida ou tratada corretamente, evitando-se complicações.
“Pessoas com diabetes, com o passar dos anos, desenvolvem neuropatia e/ou isquemia, o que as torna mais suscetíveis ao desenvolvimento de feridas de difícil cicatrização [úlceras] e infecções”, explica Peclat. “A neuropatia acarreta a perda da sensibilidade ao toque, à temperatura e à dor. Com isso, o indivíduo não sente quando fere o pé. De modo geral, por não perceber, evolui para quadros de infecção que resultam em desbridamentos [remoção de tecidos] ou amputações.”
O cirurgião vascular Eliud Duarte Junior diz que “grande parte dessas amputações poderia ter sido evitada com práticas de auto-observação. O paciente bem informado que se examina com frequência poderá reconhecer a necessidade de uma intervenção precoce já nos primeiros sintomas. Identificar sinais de alerta precoces é imprescindível para reduzir a incidência de complicações”.
O paciente com esse fator de risco também deve estar atento aos perigos de acidentes e adotar mudanças de comportamento, como evitar andar de pés descalços ou, ainda, aderir ao uso de calçados apropriados.
“Muito antes de qualquer complicação maior surgir, o paciente pode sentir dores nas pernas, que é um sinal de má circulação sanguínea e entupimento das artérias”, explica o cirurgião vascular Brenno Caiafa.
Alguns cuidados para evitar o problema
– Não faça compressas frias, mornas, quentes ou geladas nem escalda-pés. Por causa da falta de sensibilidade acarretada pela neuropatia, você pode não perceber lesões nos pés.
– Use meias sem costura ou com a costura para fora. Assim você evita o atrito da parte áspera do tecido com a pele.
– Não remova a cutícula das unhas dos pés. Qualquer machucado, por menor que seja, pode ser uma porta de entrada para infecções.
– Não use sandálias com tiras entre os dedos.
– Corte as unhas retas e acerte os cantos com lixa, mas com muito cuidado.
– Hidrate os pés, pois a pele ressecada favorece o surgimento de rachaduras e ferimentos.
– Nunca ande descalço. Você pode não sentir que o chão está quente ou que cortou os pés.
– Olhe sempre a planta dos pés e trate logo qualquer arranhão, rachadura ou ferimento. Se não conseguir fazer isso sozinho, peça ajuda a um familiar ou amigo.
– Não use sapatos apertados ou de bico fino.
– Trate calosidades com profissionais de saúde.
– Olhe sempre o interior dos calçados antes de usá-los.
– Enxugue bem a pele entre os dedos após o banho, a piscina ou a praia.
Fonte: R7